Que solidariedade

O que significa ser solidário?
Trata-se de um comportamento
Arbitrário, de origem involuntário?
Trata-se de um condicionamento,
Aparentemente, de completa liberdade?
Não! Pois os valores formam a maturidade,
E dependem da transmissão de saberes da comunidade.

Então e o que nos transmitem?
E se o que passou for o contrário?
Se nos ensinarem e só mentirem,
Ocultando a verdade e criando o temerário
Cidadão, incapaz de dar para receber,
De despender para recolher e se enaltecer,
Para desenvolver um diferente estar de ser.

A construção de algo diferente,
Faz-se pela vontade evidente
De perder más vontades,
De mudar mentalidades,
De crescer para aprender
A ser aquilo diferente do herdado,
Diferente do consumado e reforçado,
A ter um novo modo da realidade ver!

Dar é melhor que receber!
Pois dar é opção e receber uma obrigação...

A história da Martinha

Martinha era órfã, nunca conhecera os pais irmãos ou familiares, nem sequer sabia se teria mesmo irmãos ou irmãs, primos ou primas. Martinha cresceu e com ela a vontade de saber e conhecer as suas origens.
Por cada pessoa que via, que se cruzava na rua ou onde encontrasse vivalma, com traços e características físicas semelhantes às suas - pelo menos aquelas em que ela própria notava –, Martinha tentava e fazia por travar novo conhecimento.
Martinha, pela sua condição familiar – ou ausência dela – e sua natural curiosidade e necessidade de saber mais de si, de onde veio e porque veio ao mundo, acabara por conhecer pelo menos meio mundo. Não que metade do mundo fosse parecido fisicamente consigo, nada disso, mas porque cedo percebeu que nem todos os familiares são parecidos na imagem e aspecto – muitos são os pais altos com filhos baixos, as irmãs magras de irmãos largos -, que por vezes eram as personalidades que se herdavam e aproximavam os familiares uns dos outros. Assim, consciente da sua vontade de conhecer, conheceu, para além das pessoas com os cabelos, olhos, feições e fisionomias semelhantes às suas, as pessoas mais comunicativas e curiosas como ela. Depois, como pessoas conhecem mais pessoas, especialmente as que mais capacidades para comunicar têm, acabou por conhecer seguramente mais de metade do mundo. Embora não querendo, provou que a Terra era redonda, pelo menos à medida que a percorria a sessação que tinha era de uma vida que dava voltas e voltas, que sempre irá rodando ao seu tempo, com o tempo a passar.
Conforme ia vendo o mundo, as gentes que nele habitam, ia aprendendo novas línguas, conhecendo costumes e tradições, mas nem sinal da sua família. Martinha dava por esse nome como poderia dar por outro qualquer que tivesse ditado o destino. O seu fado fora nascer no dia de São Martinho, e, como era tradição nos privados de família, acabou por herdar do santo romano o latim do seu nome. Diziam alguns que a relação com Martinho era mais do que uma questão de calendário e nomenclatura, que era uma bênção do próprio santo que ela tinha recebido. Pois, ainda que involuntariamente, Martinha tinha abdicado da sua família para ganhar o conhecimento das Gentes do mundo, tal como Martinho tinha abdicado das suas vestes. Hoje, no dia de São Martinho, como todos conhecem a Martinha honram-na festejando também o seu pai de nome, lamentando que ela nunca tenha encontrado a sua família, mas, ao mesmo tempo, sentem-se felizes - num inocente egoísmos - pois por essa razão conheceram a doce e simpática Martinha.

Intenções e seus intentos

Vozes surdas,
ouvidos descuidados,
sensibilidades mudas
e pensamentos gorados

As intenções ter-se-ão perdido...
As intervenções são vazias!
As palavras tornam-se ocas de sentido!
As posturas geram comuns azias...

Mas e as intenções?
Ter-se-ão mesmo perdido?
Somente quem as teve poderá de facto responder...

Alegria e seus paradoxos

Sempre que alguém se sente alegra sente-se triste só se pode sentir triste pela sua tristeza. Se o Homem – quem diz o Homem diz também a Mulher - é um todo e a tristeza parte dele, quando todo ele é alegre e nem uma réstia de tristeza nele habita, então o Homem alegre não é completo. Até porque, já como referi, a pura alegria não existe, a não ser que desinventemos a tristeza, pois não será a alegria dela a tristeza da alegria e a tristeza da alegria o inverso do que acabei de referir? Pois sim! Se não podemos ser totalmente alegres então só nos resta ter alegria em parte. Mas como é a nossa melhor parte, aquela capaz de ser alegre que alegre fica, no fundo, e regra geral, podemos dizer que, arredondando sentimentos, de facto somos alegres e atingimos a alegria.
Não estou alegre com esta explicação para a alegria. Não estou pois o absoluto e uma explicação final não pode jamais deixar o intelecto alegre, pois se assim fosse como poderia continuar a procurar a alegria de questionar e procurar respostas. Um intelecto estagnado não é alegre. Mas depois voltamos ao paradoxo, se alegramos o intelecto entristecemos a estupidez. Assim, temos de optar pelo tipo de alegria queremos, mesmo sabendo que nunca será absoluta e completa. É assim a alegria.