Um dia de vento com areia

Naquele dia de Novembro estava vento. A areia acompanhava-o, encorpando-o e transformando o movimento do ar num apedrejamento contínuo de pequenas partículas. Por vezes esse afrontamento e agressão causavam apenas o toldar da visão coletiva. Não matava. Não feria, mas massacrava e condicionava a capacidade de ver de todos. 
O vento continuado movimentou do seu espaço natural um exército de inertes. Depositou no campo de batalha fortes e trincheiras. Modificou-se o ambiente. Alterou-se a realidade. A mudança era assim uma realidade física, mas uma ilusão imaterial de mundo transformado em estranheza e artificialismo.
Assentados os inertes, por falta de melhor atividade, tendo em conta que sempre estiveram em movimento e conflito, iniciou-se mais uma guerra. Não havia grandes motivos para tal. Tal como não havia em todas as outras que se tinham dado. Era apenas uma forma de existência. Combatiam para existir, morriam para não viver sem razão de ser. No extremar das posições o encaixe e imbricamento nas grandes massas rochosas deu-se por acaso, conforme rolavam, ora para um lado ora para outro sem intenção fundamentada. Rolavam pela simples razão de se manterem ativos, querendo ser outra coisa que não inertes.
As rochas sedimentares resultantes viveriam feridas e esburacadas até desapareceram quando de novo se convertessem em areias esvoaçantes e levadas pelo vento. Era só mais um ciclo, o devir de uma forma de existir tão própria de uma espécie inerte em pleno movimento produtor de cristalização, uma espécie imortal sem vida.