A Fria e Altiva Riqueza


De lá fiquei arrendatária
De esperanças sem pagar fiança:
A minha consciência diz-me assim.
Faço por não a ouvir. Esqueço de onde vim.

Projetei-me pelo capital.
Construíram-me em luxo,
Ignorando o meu original material.
Transformei-me num belo cartuxo,
Vazio de conteúdo. Perdi a transparência
Perdi a original inocência…

Nem ao espelho me reconheço.
Nas fotografias sorrio de modo diferente.
Nem esta sombra que arrasto conheço.
Ficou-me uma culpa persistente.
Fui edifício instável de adobe e cal.
Sou hoje um mármore frio e imortal.

Passeio-me de consciência presa.
Viajo pelo mundo a todos os cantos.
Arrasto-me majestosamente em frieza.
Dou-me ao mundo, ignorando os prantos.
Para escapar a mortalidade perdi a humanidade,
Esqueci-me de ter idade, da material dificuldade.
A melhor das comidas não saboreio
A melhor das texturas não me toca,
A melhor das fragâncias não cheiro.
A melhor das vistas a minha retina não foca.
Pois sentir é mais que usar dos sentidos,
Sentir é saber que os prazeres podem ser perdidos.

Desejo um desafio.
Desejo passar a fio
Por uma vida torta
Seguir por uma linha morta,
Como um fim que vem e é certo,
Encarar o destino como algo em aberto.


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